O BISCOITO DA SORTE Matilde Vieira, viúva, é uma bela mulher. Empreendedora, vaidosa, gosta de se arrumar e estar bem. Nada excessivo, apenas o ideal para uma mulher de sua idade. Aos 57 anos, viveu durante 30 anos em companhia do marido e do seu único filho. Depois de casado Ronaldo foi morar do outro lado da cidade, e apesar de insistir com a mãe para irem morar juntos, não foi ouvido. Sua nora Esther é uma ótima pessoa e as duas são muito amigas, mas Matilde ainda prefere que vivam cada uma em sua casa. Quando o casal sai, a avó prestimosa está sempre disposta a tomar conta da neta de sete anos, Felícia. Quando juntas fazem biscoitos e bolos, especialidades dessa avó talentosa e bonita. Uma tarde, tomando um chá na confeitaria onde entrega seus biscoitos para a venda, ouviu uma conversa entre a dona da confeitaria e uma bonita cliente que estava muito nervosa com algo que não deu certo em sua empresa. _Aquela cafeteria não funciona, Elvira, e eu preciso que uma mão forte para tomar conta de tudo. Mas não quero essas jovens de cabeça na lua que só pensam em namoros. – replica a jovem ruiva e elegante. Ainda trocaram umas palavras e em seguida a outra foi embora apressada. Nisso a Elvira virou-se para Matilde e perguntou se ela não gostaria de ocupar aquela vaga. Entraram em entendimento e dali mesmo a senhora partiu para a empresa da ruiva Fernanda. A mesma já avisada, disse-lhe que se apresentasse e assumisse logo o lugar que depois elas se entenderiam. Quando saltou do táxi diante da empresa, Matilde levou um susto, mas um susto positivo e deu graças à Deus por estar sempre bem vestida. O luxo do lugar era impressionante. Apresentou-se na recepção e ao citar o nome de Fernanda Amorim, foi imediatamente levada para a cafeteria da empresa. Entrou no ambiente que compunha o serviço e gostou logo de cada da limpeza e da disposição do maquinário. Então lembrou-se que na sua juventude pagou os estudos trabalhando em diversas cafeterias e nada ali era segredo para ela. Escolheu dentre os jalecos pendurados na sala anexa, especial para os funcionários, constatando sua limpeza, vestiu-o e tomou seu lugar junto aos outros. Apresentou-se e tomou ciência do que faltava. Os ingredientes lá estavam, mas ninguém para fazer nada. Pouco tempo depois já havia várias fornadas de biscoitos e pequenos bolos simples para o café. Atraídos pelo cheiro, os funcionários que se alternavam no café foram chegando e ocupando seus lugares. Para servi-los havia três funcionários, o que faltava era pessoas que fizessem algo para comer. Logo as bandejas estavam vazias e as pias cheias de louças. Os atendentes fizeram a sua parte e logo tudo estava pronto para o turno da tarde. Enquanto os outros cuidavam da limpeza, Matilde já preparava massas para as emergências dos lanches. Pela tarde o rodízio foi ainda maior porque todos ficaram sabendo das delícias que a cafeteria estava oferecendo. Cada funcionário tem direito a uma xícara de café ou copo de suco e dois bolos ou biscoitos para o lanche. O que mais quisessem tinham que pagar. Dois meses depois, Matilde continuava a trabalhar, com sua vida regularizada, mas ainda não tinha encontrado com Fernanda, que estava fazendo seus trabalhos em Nova York. O seu pai, Fabrício Amorim, dono da empresa, regressou antes da filha para dar suporte ao gerente geral da empresa, que já estava muito tempo sozinho diante de tudo. Sempre que Fabrício trabalhava na empresa, requisitava alguém da cafeteria para trabalhar em sua própria cozinha anexa ao escritório para servi-lo, bem como aos clientes que são muitos com sua presença. E como não podia ser diferente chegou naquela manhã, indo diretamente para sua sala, pediu que alguém subisse para fazer o café. Na cafeteria começou a discussão porque as moças, enlevadas com aquele fluxo de pessoas, principalmente os rapazes bonitões, não queria subir de forma alguma, para não perder o trabalho nos turnos. Como os bolos e biscoitos estão em dia, Matilde acalmou-as e prontificou-se a subir e fazer o café para o chefe. Trocou o jaleco por um limpo e penteando os cabelos e renovando o batom, entrou no elevador e subiu até a cobertura. Mas antes acondicionou a fornada feita para a emergência num pote hermético. Ali estavam os cookies de goiabada e chocolate, os seus preferidos e especiais. Chegou diante da mesa da secretária, uma simpática senhora, e apresentou-se como vindo da cafeteria e foi levada para uma espaçosa cozinha, uma miniatura da cafeteria, com modernos aparelhos domésticos e uma bela geladeira de inox. Safira indicou-lhe ainda que a porta ao fundo do cômodo levava diretamente à sala do chefe e só poderia ser aberta quando o interfone a chamasse, e no caso ela mesma a avisaria. Matilde esmerou-se e preparou uma bandeja para quatro pessoas como foi instruída por Safira. Fez um cheiroso café e num bule térmico colocou água fervente para quem preferisse um chá, separando de maçã com canela e hortelã em saches. Quatro caixinhas de sucos variados e um prato recheado com suas guloseimas. A campainha soou e destrancando a porta, abriu-a para dar passagem ao carrinho. Como não conhecia o local, mirou onde estava uma mesa ao fundo e pedindo licença levou o carrinho até lá. Pegando a toalha, previamente escolhida, forrou e arrumou tudo. Não deixou de perceber o silêncio que se fez com sua entrada, mas não quis levantar a cabeça para ver nada. No entanto, antes de sua saída, Fabrício a reteve e perguntou quem ela era. _Boa tarde, senhor, sou Matilde Vieira, lá da cafeteria. Fui contratada pela sua filha para assumir a produção dos lanches. – disse ela muito tímida. _Obrigada, dona Matilde. Pode deixar por nossa conta que iremos nos servir. – disse o homem visivelmente perturbado pela presença daquela bela e elegante mulher. E o perfume daqueles biscoitos abriu-lhe uma fome que ele nem sabia que tinha. Matilde suspirou sem mesmo perceber, assentiu e partiu para seu local de trabalho. Ficou sem mesmo saber o quer fazer e resolveu dar uma limpeza no que não precisava ser limpo. Quase perto do almoço, ouviu a campainha e foi em direção a sala do chefe e já a encontrou vazia. Recolheu tudo, lavou, guardou e tirou o lixo. Ao sair para o almoço, ouviu de Safira que vai ficar diretamente ligada à cafeteria da diretoria todos os dias e que os lanches são feitos duas vezes por dia e o café sempre que for pedido. Desceram para almoçar e regressaram já amigas. Numa tarde chuvosa, Safira precisou ausentar-se e eis que chega Fabrício em companhia de um casal de gêmeos lindos, seus netos. Apressado, pois tinha uma reunião para a qual já estava quase atrasado, mas as crianças precisaram ser apanhadas no colégio e, para variar, Fernanda estava num evento numa firma parceira. O que ele faria com as crianças? Lembrou-se, então, de dona Matilde que seria sua salvação. _Olha, crianças, vocês ficarão com a dona Matilde até sua mãe chegar. Ela não vai demorar. O vovô tem uma reunião muito importante e não pode desmarcar. – diz ele para as crianças que olhavam sem entender muito. Batendo à porta da cozinha foi prontamente atendido pela senhora. Explicando a situação, a mesma arrumou a mesa para que as crianças pudessem sentar. _Olha, essa é vovó Matilde, disse o homem como forma de acalmar as crianças. Ela vai dar lanche para vocês e ficarão esperando a mamãe aqui. Obedeçam e não saiam daqui. – disse ele apressado. Matilde entendeu tudo e acomodou as crianças e pegando algumas folhas numa mesa do canto da sala deu a elas para que desenhassem enquanto esperavam a mãe. Deixou a porta aberta para que quando Fernanda chegasse visse os filhos em sua companhia. Duas horas mais tarde, uma esbaforida Fernanda entrou na sala e viu o filho em pé perto da janela olhando os carros lá embaixo. _George, o que está fazendo aqui, onde está o seu avô? – perguntou aflita já procurando por Gislaine que ainda estava sentada desenhando. _Ele foi para uma reunião e nos deixou a aqui com a vovó Matilde. – disse o menino para espanto da mãe. _Vovó? Nisso Matilde sai da cozinha e fala suavemente: _Bom dia, dona Fernanda, eu sou Matilde, lá da cafeteria. A senhora me contratou através da Elvira da Doçura Cafeteria, lembra-se do dia que conversou com ela? – pergunta a senhora nervosa. _Sim, me lembro. Como vai a senhora? – diz a ruiva sem paciência. Eu só não estou entendendo a ausência do meu pai. – conclui. _Ele tinha uma reunião de última hora e não podia faltar e tentou avisar à senhora, mas não conseguiu. – explica a mulher. Fernanda busca o celular e o encontra descarregado mais uma vez. Ela realmente não se entende com a tecnologia. Gislaine sai calmamente da cozinha e mostra para a mãe o desenho que estava fazendo todo esse tempo. _Oi, filha, dá um beijo na mamãe. – disse ela abraçando os dois. _Espero que eles não tenham dado trabalho. – disse desculpando-se. _Mamãe, disse interrompendo o menino, nós comemos biscoitos deliciosos que a vovó faz e eu quero mais. – disse ele sorrindo. Aquelas palavras desarmaram a mulher da sua carranca e ela sorriu também dizendo que gostaria de experimentar os biscoitos milagrosos da vovó. Aceitou um juntamente com uma xícara de café e foi para casa com as crianças, onde o marido já os esperava. Fabrício estava na reunião, mas um tanto desatento. Como é um dos membros mais efetivos e importantes do grupo, não por ser melhor que ninguém, mas devido ao número de ações da empresa, o diretor achou por bem abreviar a reunião e com assentimento dos outros, se despediu , dando liberdade a quem quisesse ir embora. O homem não se fez de rogado e imediatamente despediu-se de todos e saiu, mais tarde ligaria para o amigo empresário. Ao chegar à empresa, mal cumprimentou seu pessoal e foi direto para sua sala e encontrou tudo em silêncio e portas fechadas. Olhou as horas e percebeu que era hora do almoço. Ligou para Fernanda, que já estava em casa com as crianças. Achou estranho ela não perguntar nada. Ele por sua vez também nada disse. Sentou-se e ficou matutando sobre a Matilde. Desde que sua esposa falecera ninguém mais havia cuidado tão bem de sua alimentação. E que biscoitos eram aqueles que ele nunca havia comido em nenhuma confeitaria da vida. Uma receita dos anjos pensou sorrindo. Sente falta de carinho de uma mulher, afinal nunca mais teve ninguém em sua vida, mesmo sendo procurado, não cedeu a nenhuma delas. Com três anos de viuvez, sente-se só. Sem fome não quis ir almoçar. O bule ainda tinha café fresco e tomou uma xícara. Esperaria Matilde voltar e pediria um sanduíche. Ouviu o movimento na cozinha e bateu suavemente à porta. _Boa tarde, Matilde. Será que seria pedir muito um sanduíche e um suco. Não quis almoçar e estou com fome. – disse carinhoso. _Claro, sr. Fabrício. Já vou providenciar. – disse a mulher sorrindo. O coração batia na garganta ao ouvir aquela voz carinhosa. Nesses três anos de viuvez nunca mais sequer conversou com outro homem em sua vida. O homem sem saber o que fazer virou as costas e foi para sua sala. Logo em seguida ouviu a porta abrir e Matilde entrar com uma bandeja. Além do lanche havia dois biscoitos com goiabada que são os seus preferidos. Comeu tudo e arrematou com o delicioso café. Tomando coragem, pegou a bandeja colocou tudo sobre ela e abriu a porta da cozinha sem bater. Nesse momento Matilde sai do banheiro e o susto foi mútuo. _Eu já ia buscar a bandeja, sr. Fabrício. – disse a mulher ruborizada e sem jeito. _Eu quis trazer, Matilde e, por favor, não me chame de senhor, apenas Fabrício, como Safira também faz. E por sinal ela deu notícias? – perguntou desviando o assunto. _Sim, disse que está com a pressão um pouco alta e o médico recomendou repouso. Amanhã estará de volta. – diz a trêmula mulher. Um mês após o ocorrido, Fabrício chega para pegar o carro na garagem da empresa, após o término do expediente. Cai uma forte chuva e ao longe vê Matilde, deixar o seu carro e pegar uma sombrinha para sair. Piscou o farol para chamar sua atenção e sai do carro para acenar-lhe. _O que houve? Algum problema com o carro? – pergunta solícito. _Sim, não quer pegar. Acho que vou ter que aposentar essa baratinha. – diz ela brincando com o tamanho do carro. Chegando a casa vou ligar para o mecânico. _Por favor, venha que a levarei em casa e, no caminho, passamos pelo mecânico e deixamos as chaves. O meu fica aqui perto. – diz ele pegando delicadamente no seu braço. _Obrigada, assim evito tomar essa chuva. – diz ela entrando no carro com o chefe. Passaram no mecânico e deixaram as chaves para o posterior conserto do carro. Chegando a casa, Matilde convidou o chefe para entrar e esperar a chuva diminuir. Fabrício jamais iria perder uma oportunidade daquela de conhecer melhor essa linda mulher. A sala, pequena e bem proporcionada, é um convite para um descanso aconchegante. Ela ligou a lareira à gás e o convidou para sentar-se. _Você aceita tomar um vinho? – pergunta a tímida mulher, esperando que o mesmo aceite o convite. _Uma pequena taça não vou recusar. – diz o homem galantemente. E se quiser tomar a segunda, deixo o carro aqui e volto para casa de táxi. – completa. Matilde ligou a TV, num programa de economia e deixou Fabrício apreciando a discussão. Foi para cozinha e preparou uma bandeja com petiscos e duas garrafas de vinho, um seco e um suave, para a devida escolha. Os petiscos passaram por azeitonas recheadas, salaminho, queijos e pequenos empanados aquecidos ao forno. Ao voltar para a sala para arrumar a mesa, Fabrício ofereceu-se para ajudar. Ela indicou que trouxesse as garrafas e as taças que ela traria a bandeja. Enquanto chovia copiosamente, os dois riram, comeram, beberam e falaram de suas vidas e dos seus hábitos. Quando deram pela hora, já haviam consumido todo o vinho e os petiscos também findaram. Decidindo pelo taxio, Fabrício despediu-se e marcou de pegar o carro amanhã, que é sábado e não há expediente na empresa. _Por favor, gostaria que viesse almoçar comigo. – disse ousadamente aquela linda mulher. _Eu aceito com prazer. Trarei o vinho e a sobremesa. – disse galantemente o homem. E após esse almoço o relacionamento dos dois cresceu e agora namoram diante de todos. Os filhos estão conformados com a vontade dos pais e cada um ganhou mais netos. Fabrício costuma dizer que os biscoitos que Matilde faz são biscoitos da sorte!!! Regina Madeira "imagens do Google" Regina Madeira
Enviado por Regina Madeira em 29/04/2017
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