Regina Madeira - Estrela Radiante

Brilho das Letras

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VIDA EM PARALELO
 
 
Armando Montemór ergue os olhos para o seu grandioso complexo. Com um sorriso nos lábios, nem repara no sol que vai se despedindo do dia e muito menos nas pessoas que vão e vêm a sua volta. Pára e repara quão grande é sua fortuna e tudo que ganhou ao longo de sua carreira de empresário. O prédio futurista ergue-se majestoso, refletindo a parca luminosidade do horário, enquanto as luzes vão se acendendo com a força de tecnologia.
O sorriso de Armando reflete a mais nova vergonhosa  vitória sobre o sócio, Felipe Shermann. O bobo, como Armando o chama, após perceber o arriscado caminho que Armando vem tomando, resolveu afastar-se para a filial menor da empresa, onde pode tomar suas medidas trabalhísticas de maneira honesta, sem a perniciosa influência de Armando. Está preparando tudo para afastar-se da sociedade, mesmo com perdas financeiras, pois há muito desconhece o sócio e não concorda com sua linha dura de negociação.
 
 
Felipe Shermann é um homem rico e simples. Vive para a família e para o trabalho, nesse ordem exata. Sua fortuna é grande, mas não por ganhar demais, mas por saber poupar e não ser mesquinho. Empresário justo, suas negociações são também justas e jamais prejudicou alguém do seu meio ou algum funcionário.
Quando a sociedade começou, Armando era um outro homem. Difícil sim, mas honesto e justo. Amigos desde a barriga das mães, Felipe o admirava muito, e ainda o ama como irmão, apesar de tudo.
Quando os negócios começaram a crescer, Armando mudou muito e Felipe passou a conhecer um outro Armando, do qual não gosta nem admira. O amigo tornou-se um  homem egoísta, grosseiro e vilão nos negócios.
Quando abriram uma filial do outro lado da cidade, Felipe dedicou-se a ela de corpo e alma, sentindo-se mais livre para trabalhar, colocando-a como sua pequena empresa, deixando o volume mais pesado nas mãos de Armando. O mesmo ficou muito contente com o afastamento, pois considera o sócio um entrave para as suas negociatas.
Felipe está empenhado em desmembrar esse braço da empresa, ficando com ela como sua parte. Não se importa em ficar com menos, contanto que tenha paz e sossego. Mariza, sua esposa, está contente e vibrante, esperando que esse dia não demore.
Armando não acredita que isso vá acontecer, pois pensa ser apenas bravatas do sócio, mas vai ficar surpreso quando essa hora chegar. E também nem pode imaginar como sua vida está para mudar.

 
Armando, casado com Vilma, leva uma vida sórdida, com amantes, jogos e bebidas em excesso. A esposa não se incomoda com nada, desde que o dinheiro para os seus inúmeros gastos chegue no dia certo e que os seus encontros com os amantes não sejam impedidos. Os filhos, Sílvia e Jorge, não mais suportando a vida dos pais, seguiram sua vida, trabalhando e estudando fora do país.

 
Numa tarde, ao sair do escritório, como sempre faz, Armando segue a pé, ao longo do calçadão, olhando o seu complexo industrial reluzindo aos últimos raios de sol.
De repente, esbarra com um homem estranho, com uma roupa simples e até mesmo fora de moda. Como não gosta de contatos com desconhecidos, Armando afasta-se com brusquidão e quase derruba o homem e segue sem olhar para trás.
Após alguns passos, o homem o chama pelo nome: Armando!!! Quando Armando ouviu o próprio nome, assustou-se e virou novamente. E você quem é??? De onde nos conhecemos???
E o homem respondeu: De um lugar muito distante e quero lhe fazer um alerta. Não siga por essa calçada pois algo de perigoso pode lhe acontecer. E seguiu adiante, deixando Armando plantado na calçada.
Armando, desfazendo o espanto, balançou a cabeça, pensando: Há malucos em todos os lugares. Rsrsrsrsrsrsrsrs
Continuando a caminhada, estava quase chegando no ponto de táxi, onde apanha um carro quando não vai no seu próprio. Gosta de fazer esse trajeto, pois é o único momento em que caminha, para exercitar o corpo. Normalmente, usa o carro e o helicóptero, quando vai mais longe.
Ao dobrar a esquina, diante de um prédio em escombros, recebe uma pancada violenta na cabeça. Ali, caído, não tem ideia do que aconteceu e nem saberá contar a ninguém o que se passou. Sua sorte foi o fato de Eliseu, o seu motorista predileto, assistir a cena, pois o ponto fica logo adiante, podendo assim prestar o socorro imediato.


 
Eliseu chamou uma ambulância para socorrer Armando e depois ficou torcendo pela sua recuperação. E em seguida partiu em direção da casa de Armando para avisar Vilma do ocorrido. Quando chegaram no hospital mais próximo, souberam que Armando foi removido para uma clínica especializada pois o seu caso era sério.
Chegando lá Vilma ficou sabendo que o marido já estava sendo preparado para a cirurgia, cabendo apenas uma longa espera.
 
Lá pela madrugada Vilma conseguiu notícias do marido, cujo o procedimento cirúrgico tinha sido complicado e tenso para a equipe médica, pois o paciente teve uma parada cardíaca que assustou, mas enfim, tudo se estabilizou.

 
Enquanto isso, Armando “viajava” em seu sono pós-operatório, buscando entender o que lhe acontecia. As cenas que por ele passavam o levava sempre até diante do prédio em ruínas e depois, tudo se torna confuso. Ele tenta falar com alguém, mas ninguém o ouve ou atende e em seguida ele dorme novamente.
 
Levado para UTI, Armando vai passando suas horas inconscientes e pelo vidro Vilma o acompanha, preocupada. O médico informou que o estado do paciente é delicado, mas com todas as possibilidades de recuperação.
 
Passados os primeiros dias, o paciente mais estabilizado, mas continuava em coma. Os médicos acompanham o desenvolvimento da cirurgia satisfeitos. O que não podem imaginar é o complemento espiritual que Armando está recebendo e que, com certeza, vai mudar toda sua vida.

 
Quando a noite chega e todo o hospital fica mais silencioso, uma equipe socorrista espiritual começa a trabalhar no corpo e na mente de Armando. Com o físico mais firme, Armando passa a perceber algo diferente ao seu redor. Apenas estranha que apesar de todo movimento e de sua audição restabelecida, não ouve nenhum barulho. Tudo é silêncio. Tudo é paz. Uma paz há muito tempo não sentida. As pessoas passam de um lado para outro, ministrando medicamentos e toques sutis, que vão acalmando as dores diversas que ainda sente. Quando tenta falar, nenhum som sai de sua boca e ao mesmo tempo as pessoas comunicam-se pelos olhares e quando movem a cabeça lentamente. Após um pouco de esforço, sua imobilidade o vence e um gostoso torpor o abraça e o leva para um mundo de paz.
Durante esse sono reparador, Armando sente que palavras doces e calmas são impressas em sua memória e quando o dia amanhece, ele se lembra delas com perfeição e as fica rememorando. São palavras sobre a vida. Sobre uma vida que só viveu em sua juventude. Quando ainda acreditava em Deus e tinha um grande amor pelas pessoas. Um tempo que foi se acabando na mesma medida que sua vida mundana foi crescendo e tomando muito espaço no seu dia a dia.
As pessoas que o cercam parecem conhecidas, mas não consegue lembrar-se de onde as conhecem e porque não falam com ele. Mas independente disso, a presença delas é boa demais para ser desperdiçada e assim Armando vai aproveitando para descansar e aprender.
Uma noite Armando ouviu a seguinte mensagem:
 
Somos seres passageiros nessa vida. Vivemos numa grande nave. E toda a tripulação tem a sua missão. Cada um desempenha o seu papel para a grandeza do Planeta Terra. Não somos melhores nem piores que ninguém. Apenas somos nós, melhores que nós mesmos a cada dia.
A prática do amor e do perdão são as passagens que pagamos para essa viagem. E como vamos viajar depende de nós. A viagem pode ser calma e segura e sermos muito felizes. Mas também pode ser de tribulações e tristeza, depende apenas das escolhas que fizermos.
Quando encontramos uma pessoa que não nos compreende ou que não a compreendemos, podemos orar por ela e seguirmos a viagem. Ou podemos intimidá-la de alguma forma. O que não podemos esquecer é que a oração também servirá para nós, assim como a intimidação. O que vamos escolher???
 
 
Após o término da mensagem, Armando ficou em estado contemplativo e um pouco preocupado. Assim começou a assistir um filme mental de sua vida, principalmente a partir do seu casamento com Vilma, quando tudo mudou em seu coração.
Reviu a cerimônia, onde tudo foi lindo como imaginaram um dia que seria. A lua de mel também foi uma bênção. Mas logo em seguida, uma nuvem escura passa a permear o seu pensamento.
Contiou revendo o seu filme. Agora são as imagens da implantação da empresa com a herança recebida por Vilma dos seus pais. Enquanto isso sua fortuna ia aos poucos multiplicando-se nos outros investimentos. Com o casamento em regime de comunhão parcial de bens, assim teria direito aos bens da esposa que fossem adquiridos após o casamento.
Em seguida, o que vê são as imagens da vida com Felipe, desde a infância feliz até os escondidos golpes nos negócios. Nas imagens vê o rosto do amigo e sócio fechado como cenho franzido, mostrando sua insatisfação com tudo.
Vê também as discussões com funcionários lesados e indignados com os direitos burlados. Sem falar nos amigos que perdeu ao longo dos tempos.

 
Com o passar dos dias e com a quantidade de lições recebidas, aos poucos Armando vai entronizando uma limpeza de alma e coração. Os médicos preocupam-se com as lágrimas que rolam abundantemente do seu rosto, sendo necessário que Vilma ou as enfermeiras as sequem constantemente.
Mas a esposa, mulher de fé e de coragem nada teme, pois tem certeza do que se passa com  o marido.

 
Após um mês de aparente coma, Armando começa mostrar sinais de franca recuperação. Já consegue ficar acordado por um tempo, e tem consciência do que se passa ao redor, apenas não fala. Sorri bastante e parece satisfeito consigo mesmo e nem se preocupa com a fala.
Foi avisado que no momento certo, quando souber dizer as palavras certas, a fala se restabelecerá.

 
Após quarenta e cinco dias de internação, Armando foi finalmente liberado para ir para casa, onde continuará com a terapia de recuperação da fala. Mais comunicativo e alegre, Armando surpreende a todos e aguarda ansiosamente as visitas de Felipe e Elias, mas nada diz a ninguém.
Três dias depois de sua chegada, no mesmo momento, dois carros param no portão da casa de Armando, sendo um deles um táxi.
Vilma atende a porta e dá entrada para Felipe e Elias que já conversavam animadamente.
Quando chegaram ao quarto, Armando estava em lágrimas e conseguiu pronunciar as primeiras palavras para a alegria de todos.
Também em lágrimas, Vilma ouviu o marido pela primeira vez na vida pedir perdão a todos. Assim todos perceberam que ali estava um novo homem.
 
Regina Madeira
"imagem do Google"

2/2/2O15 



 
Regina Madeira
Enviado por Regina Madeira em 05/02/2015
Alterado em 05/06/2015
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