Regina Madeira - Estrela Radiante

Brilho das Letras

Textos


 
Fácil é sair com várias pessoas ao longo da vida. Difícil é entender que pouquíssimas delas vão te aceitar como você é e fazer feliz por inteiro. Difícil é ocupar o coração de alguém. Saber que se é realmente amado.
Carlos Drummond de Andrade
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A IDADE DO AMOR
 
Irineu é um velho homem. Digo assim porque envelheceu no corpo e na alma.
Aos setenta anos, sentado em sua cadeira de rodas, simplesmente vê as horas passar.
Para ele tudo em sua vida acabou com a morte da esposa.
Vitimada por um acidente, Maria não resistiu e partiu para o Pai.
Como consequência dessa fatalidade, Irineu mesmo sem nada ter sofrido deixou de andar.
Sua mente recusa-se a ficar de pé e dar os passos, que tanto facilitaria sua vida.
Os médicos mantêm um tratamento constante, com fisioterapias para evitar maiores males, com sua inatividade.
Como não tem filhos, sua família resumia-se na esposa, a devotada Maria, que tudo fazia para alegria do marido.
Às vezes arrependia-se de não ter adotado uma criança, pois agora poderia ser sua alegria e vida.
De bom gênio, homem calmo, nunca se queixou da sorte, apesar de religioso e de oração, apenas deixava-se ficar a olhar a natureza em volta de sua casa.
Dinheiro não é problema, bem aposentado, tem rendimento suficiente para viver para sempre, mas aos poucos, começa a sentir falta de mais alguma coisa na vida.
Em sua casa, os colaboradores e secretários, seus funcionários, fazem o que podem para mantê-lo bem e confortável.
Para fazer-lhe companhia, fica o mordomo, Gilson, que o ajuda em tudo o que precisa, além de levá-lo para passear um pouco na praça em frente sua casa.
Os outros colaboradores, vão para as suas casas ao final do dia.
Após uma crise de fortes dores nas pernas, o médico recomendou um acompanhamento diário para Irineu, para intensificar o tratamento, tendo em vista que os medicamentos nada poderiam fazer nesse caso.
Assim, Dirce entrou na vida de Irineu.
Enfermeira aposentada, com especialidade em tratamentos fisioterápicos, Dirce, da altura dos seus 60 anos já viu de tudo. E logo compreendeu a situação de Irineu.
E iniciou o tratamento com uma boa conversa, na qual explicou ao senhor como trabalhariam daquele momento em diante.
Irineu, inicialmente ficou um pouco apreensivo, com aquele jeito tão direto de Dirce, mas a simpatia e calma da senhora aos poucos o conquistou.
Enquanto massageava as pernas de Irineu com medicamentos e óleos perfumados, Dirce ia lhe contando as histórias que viveu durante sua vida entre hospitais e residências com pacientes.
Com o passar dos dias, Dirce se reportava ao médico responsável pelo tratamento de Irineu.
Tudo caminhava muito bem, até o momento em que o médico disse que Irineu precisaria ensaiar os primeiros passos.
O senhor sentiu-se traído por Dirce, que de forma alguma poderia antecipar o que aconteceria.
Dr. Orlando foi firme ao conversar com Irineu, que finalmente aceitou empreender os primeiros passos.
A primeira tentativa foi um fracasso para o senhor, que permanecia firme no propósito de não andar.
Indo para casa, foi calado e taciturno, mas nada disso abalou a fortaleza de Dirce.
Chegando lá, para surpresa do senhor, ela o deixou tomar o seu banho e deitar um pouco para descansar.
Quando acordou já pela hora do jantar, Irineu aceitou a refeição ainda em silêncio.
Quando sentaram para assistir a programação televisiva, foi surpreendido com Dirce desligando a TV e dizendo que conversariam seriamente.
Irineu ainda tentou intervir, mas não foi atendido.
E Dirce começou: Olha, Irineu, sou uma mulher já com a minha idade e experiência profissional e já tratei de outros pacientes como você. Fisicamente você está saudável, suas pernas não tem nada.
-Mas como??? Gritou o homem, bem nervoso.
Dirce levantou a mão, silenciando o homem e continuou: A mente é um elemento poderoso em nossa vida, tanto para o bem quanto para o mal. E podemos nos tornar escravos dela, se não tomarmos cuidado.
Devido ao acidente de sua esposa e o seu falecimento, sua mente se nega a lhe permitir os movimentos, prendendo-o nessa cadeira.
Quando você se perdoar e conformar-se com o acontecido, aos poucos seus movimentos voltarão, e andar será normal novamente.
Emburrado, Irineu ouviu tudo, mas não disse nada. Dirce ligou a TV novamente e retirou-se para os seus aposentos, para deixá-lo refletir.
No dia seguinte, Irineu estava mais calmo e conversou com Dirce, disposto a levar o tratamento mais a sério e tentar caminhar novamente.
Dirce, satisfeita, disse que agora as coisas iriam melhorar.
Intensificando as massagens, preparou-o para dar os primeiros passos. Com o auxílio de Gilson, Irineu começou a ficar de pé novamente. Foi por apenas uns momentos, mas para todos, uma grande vitória.
Com o passar do tempo, Irineu foi ficando mais forte e já caminhava, devagar, com o auxílio de uma bengala.
E finalmente, chegou o dia em que caminhou sozinho, sem o auxílio de bengala e nem mesmo dando o braço a alguém.
Durante todo esse tempo Irineu percebeu que Dirce, em suas horas de folga, sempre escrevia num caderno de capa muito bonita e com uma caneta também muito especial.
Quando lhe perguntou sobre o que se tratava, Dirce, muito corada, disse que eram anotações de ordem profissional.
Irineu não acreditou, mas respeitou os segredos de Dirce.
 
Finalmente, Irineu totalmente recuperado, não precisava mais dos cuidados de Dirce, que decidiu ir embora, a procura de outros pacientes para cuidar.
Na véspera, Irineu pediu a cozinheira que fizesse um jantar especial, acompanhado de um vinho também especial.
A sala de jantar foi preparada com tudo de mais lindo: flores, velas e música.
Durante o jantar, eles conversaram sobre tudo, sobre suas vidas e Dirce lhe contou como também ficara viúva, há cinco anos atrás e permanecia sozinha.
Irineu sentiu em seu peito uma grande alegria, pois via na mulher, uma oportunidade de voltar a ser feliz.
Ainda assim, não teve coragem de declarar-se de imediato.
No dia seguinte, Dirce despediu-se e foi para casa, deixando endereço, telefones e tudo que fosse preciso para uma eventual necessidade.
Passado uma semana, em que resolveu descansar um pouco, Dirce sentiu falta do seu diário, e ficou assustada, quando percebeu que o deixara na casa de Irineu.
Nervosa, gaguejando, ligou para lá e foi atendida por ele mesmo, que divertidamente, disse que estava com ele nas mãos e que iria ligar para ela para dizê-lo.
Pálida, apesar da distância, Dirce, perguntou se havia lido alguma coisa. E Irineu respondeu, ainda divertido, que jamais violaria o seu segredo, mas que a esperava, ansiosamente, para revelá-lo.
Quando Dirce chegou, encontrou um novo homem em Irineu, corado, bem disposto e satisfeito com a vida.
Levou-a ao escritório, onde estava o diário, e pediu que lesse para ele sobre os procedimentos profissionais que o diário continha.
Dirce, corada como uma adolescente, disse que não poderia, pois na realidade, seus escritos eram sobre seus sentimentos mais íntimos e que não poderia revelá-los.
Irineu, atrevidamente, tomou as suas mãos, e beijando-as, perguntou se ele fazia parte desses sentimentos, porque se assim o fosse, gostaria de dar sua opinião.
Dirce disse que leria a primeira e a última páginas,referentes a sua chegada e  a véspera da partida. E assim o fez.
Quando terminou, seus olhos estavam rasos de água e os de Irineu também.
O homem tomou-a nos braços e com um longo beijo, selou o início de uma nova vida ao lado de Dirce.
 
 
Regina Madeira
"imagens do Google"




 


 

 
Regina Madeira
Enviado por Regina Madeira em 12/03/2014
Alterado em 12/03/2014
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